A LOUCURA DAS FESTAS DE FIM DE ANO NOS JARDINS DE INFÂNCIA
Os pais e os professores já pensaram sobre a dimensão adquirida pelas festas de fim de ano?
É surpreendente que, quase sem distinção, escolas públicas ou privadas, escolas que trabalham com populações ricas ou de poucos recursos, com excelentes propostas pedagógicas e outras se assemelhem tanto no despreparo de mostrar aos pais aquilo que as professoras são capazes de fazer com seus tesourinhos.
Devemos refletir, também, sobre o fato de que chegar ao final do ano implica a representação teatral de alguma coisa, e quase sempre usando fantasias que as crianças menores invariavelmente resolvem descartar segundos antes de subir no palco.
As professoras conseguem, com esmero e encanto, atravessar o evento com nervos de aço, uma vez que dão sua vida pelo brilho de cada pequeno. Terminar o ano pressupõe para as docentes entregar uniformes, preparar pastas, conceder entrevistas, além de ensaiar, fazer acertos com costureiras e adicionar um sem-número de horas extras de trabalho à sua folha de serviços para que o espetáculo das crianças atenda às expectativas dos pais e esteja à altura do prestígio da instituição.
E as crianças, o que acontece com elas? Algumas desfrutam muitíssimo. Outras passam por um estresse inimaginável para os adultos. Outras urinam nas calças. Outras ainda choram no pior momento. Outras ficam duras no palco, aterrorizadas pelas luzes e mortas de calor sob a roupa de arvorezinha. Algumas se negam categoricamente a subir no palco, entre as explicações amáveis da professora e o pedido suplicante da mãe, que prefere não decepcionar o pai, que espera com a filmadora ligada. Há crianças que passam uma semana com dor de barriga. Há quem se desespere quando cai ou deixa cair uma pétala de papel crepom. Algumas esquecem a música. Algumas se destacam por suas aptidões histriônicas, e são muito aplaudidas… Enfim, os flashes se superpõem e todos querem voltar para casa, torcendo como loucos para que o pesadelo acabe.
Prefiro minimizar a gravidade desses fatos, uma vez que estas encenações fazem parte da “normalidade”. No final das contas, não é tão terrível assim atuar no fim do ano; todos o fazem em todas as escolas. Por que haveria de se modificar algo?
A proposta é admitir a elaboração de pensamentos autônomos. Os adultos devem pensar em como gostariam de festejar o ponto máximo de um processo que compartilharam dentro de uma instituição. O que significa chegar ao fim do ano? O que – quem – estão festejando?
Em princípio, qualquer situação que não queira transformar as crianças em objeto de consumo destinado a satisfazer a vaidade dos adultos é bem-vinda.
Por que não organizar um churrasco, fazer uma quermesse com a participação de todos, contar histórias, dançar cirandas, ensinar canções, pais e filhos pintarem juntos, jogar bola, brincar com água, trocar experiências, fazer um piquenique? Por que os pais não oferecem um espetáculo às crianças, se fantasiando e fazendo uma surpresa? Os adultos podem decidir se querem expor ou não seu corpo ou habilidades expressivas.
Falo da submissão, disfarçada pela alegria e aplausos, imposta a muitas criancinhas. Envolvidos pela ferocidade do festejo, os adultos não se dão conta de que essa não é a forma de brilhar que elas necessariamente preferem. A liberdade de pensamento consiste em admitir que se pense ou se sinta algo diferente daquilo que a maioria definiu como bom ou desejável. Por isso, as megafestas dos jardins de infância são “normais” de forma indiscutível.
As crianças menos ouvidas por suas famílias, menos levadas em consideração em sua condição de crianças, são mais vulneráveis na hora de aceitar uma maior exposição pessoal. Às vezes, as professoras se deixam fascinar pela facilidade com que algumas crianças se dispõem a representar. Sem ignorar que há criancinhas com dons e inquietações teatrais fora do comum, pode-se dizer que a maioria faz um imenso esforço para atender às expectativas dos mais velhos. E sem benefícios pessoais de nenhuma índole, salvo o de se desnudar diante de uma imensidão de olhos alheios.
Crianças estressadas existem e fazem parte de nosso meio. Não sofrem apenas as que têm muitas atividades fora de casa, mas também as que se superadaptam às exigências desnecessárias de uma sociedade que não distingue mais entre uma festa infantil e uma festa para o consumo dos adultos.
Pensando em uma conexão emocional maior, podemos imaginar as festas como espaços ideais para o contato humano, pelo qual todos estão ávidos e carentes. Podem ser a ocasião para se conhecer, para corroborar o significado verdadeiro da escolha que fizemos para nossos filhos. Podemos pensar nas festas de fim de ano como um ritual, como um momento sagrado, do qual adultos e crianças merecem participar. São também a ocasião para observar nossos filhos sem julgá-los e repensar o que na realidade estamos escolhendo para eles.”
(Laura Gutman, em A maternidade e o Encontro com a própria Sombra)
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